Torres e Salles revelam os Bastidores de ‘Ainda Estou Aqui’
Desde a retomada do cinema brasileiro, em meados dos anos 1990, após um período de crise que quase silenciou nossas telas, o “Brasil” alimenta um sonho: ver suas histórias atravessando oceanos, emocionando plateias ao redor do mundo e, quem sabe, conquistar os maiores prêmios do cinema. A cada filme, a cada narrativa que ecoa além das fronteiras, esse sonho se renova. E agora, em 2025, com o filme “Ainda Estou Aqui”, ele ganha contornos ainda mais vibrantes: o país marca presença em festivais internacionais de peso e celebra uma conquista histórica. Pela primeira vez, um filme brasileiro é indicado ao Oscar na principal categoria, Melhor Filme, além de concorrer também como Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz.
É o Brasil colhendo os frutos desse reconhecimento. Fernanda Torres, estrela do filme, fez história ao se tornar a primeira brasileira a ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e agora está indicada ao Oscar na mesma categoria. Junto a ela, nomes como Walter Salles, Selton Mello e Fernanda Montenegro continuam a escrever capítulos dessa trajetória, inspirando gerações a acreditar que o cinema brasileiro pode brilhar no maior palco do mundo.
Nesta matéria, além de um mergulho na trajetória da atriz e do cinema nacional, trazemos uma entrevista exclusiva realizada em New York City, em janeiro de 2025, com Fernanda Torres e Walter Salles, dois ícones que seguem redefinindo o lugar do Brasil no cenário internacional.
A conversa, tão rica quanto os filmes que produzem, revela detalhes sobre a produção do filme, sonhos e conquistas, além dos momentos tristes vividos durante os incêndios na Califórnia. Vamos a ela.
Alô Você: Fernanda, quando você virou a última página do script, qual foi o seu sentimento em relação ao filme que estava prestes a gravar?
Fernanda Torres: “Primeiro, ele (ela aponta para Walter) me deu o roteiro sem dizer que estava pensando em mim para interpretar Eunice. Então, eu li apenas como uma amiga e fiquei maravilhada com a qualidade. Eu já tinha lido o livro, que seria como quatro temporadas com dez capítulos para contar a história toda. Às vezes, tínhamos uma cena, e ele dizia: ‘Não, isso é para a série de streamin’. Fiquei impressionada com a maneira como o roteiro escolheu a narrativa elíptica certa para contar a história completa, porque é uma história longa. Muitos anos se passam, mas foi incrível. Eu chorei e fiquei emocionada, como estou agora com o filme.
Eu me lembro do último dia de filmagem, que, de certa forma, foi o dia de virar a última página. Filmamos em um oceano muito frio, e eu estava congelando. Todos estávamos saindo, e eu olhei para ele (aponta novamente para Walter), e tivemos a sensação de que havíamos feito algo especial. E o diretor de fotografia, Tejido, durante as filmagens, um dia veio até mim e ele disse: ‘Não diga ao Walter que eu mostrei para você’. Era a cena na sorveteria, quando ela olha para as pessoas e percebe que a vida não seria mais a mesma. Ele me mostrou a fotografia, que está em todos os lugares agora, e disse: ‘Olhe’. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, e ele completou: ‘Acho que estamos fazendo algo especial’. Foi tão bonito. Esse foi um momento especial. Eu nunca te contei isso”, confessou a atriz, olhando para Walter.
Alô Você: Qual foi o seu sentimento no primeiro momento sozinha com o seu Globo de Ouro?
Fernanda Torres: “Quando voltei para o hotel com meu marido, Andrucha, estávamos rindo e falando… ‘Globo de Ouro’ (conta a bem humorada Fernanda ainda sem parecer acreditar que ganhou o prêmio, e o público presente na sala aplaude e ri)… É difícil falar sobre isso porque, no dia seguinte, estávamos vivendo um apocalipse bíblico. Sim. Foi muito estranho, porque tivemos aquela noite de Hollywood, uma noite muito americana, porque você ganha em primeiro, e isso é muito importante. E para um brasileiro estar em primeiro é tão raro (aplausos do público e muita vibração). E então, ficamos muito felizes. Mas aquela semana começou com os incêndios na Califórnia. Três dias depois, meu marido, de cueca, veio até o quarto me mostrando o telefone, que fazia um barulho ‘uá, uá, uá’. Estava escrito: ‘Temos que evacuar’. E então, eu estava empacotando. E tive esse pensamento bobo: ‘Devo pegar o Globo de Ouro?’ (Risos gerais na plateia). Fiquei pensando como seria bobo eu na rua de pijama, com o Globo de Ouro na mão, e imaginei ele derretendo. Então, tive esse momento de vaidade, um momento bem vaidoso. Tenho de confessar. E não tivemos tempo de celebrar, porque tudo estava tão terrível ao redor.
Walter Salles: É um momento de luto coletivo, realmente, temos tantos amigos que perderam suas casas, perderam memórias. Conheço bem a área porque editamos ‘Diários de Motocicleta’ em Topanga Canyon, que está praticamente no centro da tragédia. Há tantas pessoas que admiro e com quem me tornei amigo que estavam sofrendo essa dor coletiva. Nossos pensamentos estão definitivamente com eles. E, ao mesmo tempo, o fato de que o que fazemos pode ter um efeito curativo – literatura, música, cinema, tudo – se torna importante também para reconstruir, para seguir em frente. O filme, de certa forma, é sobre isso também, porque é realmente sobre perda e como supera-la. E como ela (Eunice) nos ensina a superar isso. É tão afirmativo para a vida que você acaba acreditando que, mesmo em momentos como este, você pode continuar, pode seguir em frente.
Fernanda Torres: “E tivemos uma exibição, não foi? (Ela olha para Walter). E eu pensei: ‘Devemos fazer isso, Walter?’. E então Walter me disse: ‘Eles realmente querem que façamos’. Foi uma das exibições mais emocionantes que tivemos, porque todos estavam, tipo, deixando ou perdendo suas casas. E havia esse filme, de certa forma. Eles estavam tão comovidos com essa mulher e essa família que, na tragédia, sobrevive e se torna ainda mais forte.
A Trajetória de Versatilidade e Excelência
Fernanda Torres é uma das artistas mais influentes e premiadas do Brasil. Filha dos atores Fernanda Montenegro e Fernando Torres, ela construiu uma carreira sólida e multifacetada, atuando como atriz, escritora, cronista e roteirista. Se você a associa às hilárias Vani e Fátima das séries “Os Normais” e “Tapas e Beijos”, saiba que sua jornada vai muito além desses papéis icônicos.
Como fã de longa data, Fernanda conquistou meu coração com sua performance em “A Marvada Carne” (1985), uma comédia hilária que levou diversos prêmios no Festival de Gramado. Se você ainda não assistiu, prepare a pipoca e se jogue nessa obra que mistura humor, crítica social e uma dose de fantasia. O filme entrou para a lista da Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Além de “A Marvada Carne”, vários outros filmes que ela atuou fazem parte da minha lista dos top 10 do cinema brasileiro, e “Saneamento Básico, o Filme” é simplesmente imperdível de tanto rir! E claro, “O que é isso, Companheiro?”, também é uma excelente pedida e ja foi também indicado ao Oscar.
Mas voltando à nossa estrela, Fernanda debutou como atriz aos 13 anos e, aos 16, estreou no cinema e também esteve em cartaz no teatro com diversas peças. Sua popularidade explodiu com as participações em programas de TV, e é difícil pensar em Fernanda Torres sem lembrar das despojadas Vani e Fátima. Mas ela não parou por aí: navegou pelos mares da apresentação, literatura e roteiros. Em 2007, começou a escrever crônicas para jornais e revistas. Lançou seu primeiro romance, “Fim” (2014), que vendeu mais de 200 mil exemplares e foi traduzido para sete idiomas. Em 2017, publicou “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.
Os prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais são inúmeros. E logo no primeiro mês de 2025 Fernanda faz história ao se tornar a primeira brasileira e latino-americana a ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático por “Ainda Estou Aqui”. Agora, é torcer para que o Oscar chegue e coroe ainda mais sua brilhante carreira.
Seu legado a consolida como uma figura central na cultura brasileira, unindo talento, versatilidade e pioneirismo. Fernanda Torres não só inspira gerações, mas também reforça o lugar do Brasil no cenário artístico mundial.
Ainda Estou Aqui
O filme, dirigido por Walter Salles, é um drama biográfico baseado na autobiografia de Marcelo Rubens Paiva e foca na história de sua mãe, Eunice Facciolla Paiva, interpretada por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Ambientado durante a ditadura militar no Brasil, a trama acompanha o desaparecimento de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado federal, e o impacto da repressão sobre sua esposa Eunice e filhos, que também são perseguidos pelos militares.
Estreando no Festival de Veneza em setembro de 2024, “Ainda Estou Aqui” foi amplamente aclamado pela crítica e conquistou a Osella de Ouro de Melhor Roteiro. O filme foi selecionado para mais de 50 festivais, recebeu indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Internacional e representará o Brasil no Oscar 2025 nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e Melhor Atriz (Fernanda Torres). No Brasil, o filme foi um grande sucesso de bilheteira, e antes do fechamento desta matéria tinha arrecadado mais de 84 milhões de reais.
Eu assisti “Ainda Estou Aqui” duas vezes e, em ambas as ocasiões, tive a sensação de viajar no tempo. Sou nascida no final dos anos de 1970 e minha infância foi nos anos de 1980, o filme me transportou diretamente para aquele período, o figurino, os cortes de cabelo e a beleza natural das pessoas. A convivência entre amigos e familiares também foi retratada de forma tão genuína que, para mim, foi como reviver a época. A produção está de parabéns por reproduzir tão bem aquela época.
textos por Carol Contri
Fotos: Fiorenzo De Luca | Alile Dara Onawale | Globo – Divulgação